domingo, 13 de janeiro de 2008

Escaparate (5)

Os Três Frades e outros textos de ficção, de Sampaio Bruno

Pedro Martins

A Imprensa Nacional – Casa da Moeda iniciou recentemente a publicação dos dispersos de Sampaio Bruno com a edição de Os Três Frades e outros textos de ficção. Trata-se uma recolha de escritos ficcionais da juventude, vindos a lume em diversos títulos da imprensa portuense, que não podem deixar de nos impressionar, seja pela imaginação quase prodigiosa com que o jovem Bruno urde e arquitecta a trama narrativa, seja pelo domínio irrepreensível do idioma, pouco menos do que impensável num autor que dá os seus primeiros passos ainda com 14 anos, mas que o leitor não deixará de reconhecer.


O que em Bruno era espantosa precocidade teve de pagar tributo a uma imaturidade inevitável. Os cinco títulos agora compilados são obras inacabadas, que se traduzem, as mais das vezes, em esboços e fragmentos. A única que apresenta envergadura considerável é precisamente a que dá título ao volume e nela perpassa um anticlericalismo feroz e extremo, que realça até à disformidade caricatural os piores defeitos de um clero profundamente reaccionário. Bem evidentes são as ressonâncias da dilacerante guerra civil oitocentista, que não deixaram de calar fundo no espírito sequioso de verdade, justiça e paz que José Pereira de Sampaio sempre foi. Tomando partido óbvio pelo campo liberal para execrar as hostes miguelistas, o narrador de Os Três Frades, enredado que surge na agonia cruciante de um debate, não mais do que aparente, entre o bem e o mal, faz, por um lado, adivinhar proximamente o escritor de Análise da Crença Cristã, (o livro de estreia de Bruno, vindo a lume em 1874), mas permite, por outro, entrever, na lonjura da distância, o metafísico teodiceico d’A Ideia de Deus e o pensador messianista d’O Encoberto.

Virá a propósito aqui recordar José Marinho, porventura o intérprete mais lúcido deste filósofo heterodoxo e saturnino. Começando por considerar que nenhum outro pensador português terá, como Bruno, chegado a conclusões tão diferentes do ponto de partida, não deixa, porém, Marinho de acrescentar que, “entre aquilo de que parte e aquilo a que chega há, certamente, nexo íntimo”, pois, “com o contraste de aparência, subsiste vínculo profundo”. Lembramo-nos então de António Telmo, quando aponta ao erro do socialismo a verdade de uma luz refractada. O caso de Bruno foi, afinal, o de saber ver mais alto.

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