domingo, 30 de setembro de 2007

Pensando à bolina (6)

Brevíssimo diálogo desconcertante

Pedro Sinde

Encontro um amigo na rua e saúdo-o naquele estado habitual em que se saúdam as pessoas umas às outras, quer dizer, em que é o hábito social a falar por nós, em que perguntamos sem que esperemos uma resposta verdadeira.

- Como estás? Correu-te bem o dia?

Olhou-me com ar pensativo. Estranhei a demora na resposta; não é normal, perante uma banal pergunta de cortesia, o nosso interlocutor ficar mesmo a pensar nela. Ele levou a sério a pergunta. Ao fim de algum tempo, que mais parecia não ter fim, respondeu, fitando-me profundamente:

- Sinde, meu caro, passou mais um dia, foi milagre atrás de milagre e, no entanto, eu vivi-o como se fosse natural estar vivo...

- Como assim? - perguntei, ainda absorto no meio da estupefacção.

- Repara, o sol ergueu-se no céu e veio iluminar a terra; eu despertei como que da morte, pois deitei-me de noite e só me levantei com o sol a erguer-se e não me lembro de nada entre o deitar e o levantar; andei, senti, pensei, pude olhar o mundo e tudo isto sem sentir que estou vivo. Não é espantosa a estupidez a que se pode chegar?

- Pois - balbuciei, turbado e desconcertado. - Até amanhã, Dinis! - preferi despedir-me, antes que eu mesmo começasse a sentir que estou vivo.

1 comentário:

CMondim disse...

Hoje, como em tantas outras segundas, liguei o piloto automático.
A refelxão do teu amigo, fez-me sentir que às vezes é bom relembrarmos que a vida é uma dádiva.