quarta-feira, 18 de julho de 2007

Pensando à bolina (2)

O desenho que a vida faz
Pedro Sinde

A nossa vida é um acto contínuo; mas só vista de longe, de um ponto remoto a que dificilmente conseguimos chegar, precisamente porque se trata da nossa vida.

Quando olhamos a vida de uma pessoa no passado ou lemos a sua biografia, podemos ver esse acto único, contínuo. Mas, em relação à nossa, isso é mais difícil, porque estamos tão perto dela que nos aparece como um pontilhado de um quadro impressionista: se visto de perto, não se distingue a imagem lá figurada, mas apenas um conjunto de traços fugazes.
Para percebermos o sentido da nossa vida, para vermos a figura que cada gesto nosso vai desenhando subtil ou grosseiramente na tela, temos de encontrar esse ponto de distanciamento (nem longe em demasia, nem excessivamente perto) que nos permita, vendo o que já está desenhado, antecipar a direcção do traço presente. E, no fim, um anjo ou um demónio será a figura final.
Estamos sempre a tempo de mudar a figura toda, porque cada gesto do presente actua sobre todo o desenho do passado. Assim, um bandido transforma a sua vida passada, que mostrava a figura disforme de um monstro, numa figura belíssima de anjo, no momento exacto em que, de uma vez por todas, se arrepende.

1 comentário:

Anónimo disse...

«...temos de encontrar esse ponto de distanciamento (nem longe em demasia, nem excessivamente perto..» O perfeito equilíbrio tem, no plano cósmico, a correspondência nos equinócios, isto é, a igual duração dos dias e das noites. De outro modo, diz-se que Buda chamou os discípulos para um sermão. Fez-se acompanhar por um tocador de lira. A lição sobre a virtude, que assentava, no equilíbrio, (no domínio deste, é claro)foi clara: se a corda estava frouxa, não havia som; se era esticada em demasia, acabaria até por quebrar. Só na tensão ( afinação) correcta havia o som correcto.