sábado, 22 de dezembro de 2007

Vox populi, vox Dei (2)

Fia-te na Virgem e não corras...

Gil da Gama

À superfície, parece tratar-se de um adágio com fácil interpretação: o melhor é fazeres o que tens a fazer e deixares-te de "crendices". Mas isso é apenas à superfície, porque se olharmos bem veremos que este adágio é o que é mas ao contrário do que é; vou-me explicar. Basta que invertamos a ordem dos factores, que, neste caso, não tem nada de arbitrário, e logo veremos de outro modo: não corras, fia-te na Virgem. Assim visto, estamos perante algo de uma natureza diferente, equivalente a outros adágios do mesmo tipo e que demonstram a forte confiança do povo português no sobrenatural: Mais vale quem Deus ajuda, do que quem muito madruga ou O pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada. Mas como no povo português convivem duas almas em simultâneo, uma idealista e outra realista, uma que o faz acreditar no fado e outra que o faz ver que está no mundo para agir, temos de encontrar um ponto em que as duas almas, opostas só na aparência, se reúnam, aquele ponto em que o português possa voltar a dizer como disse Pessoa:

O homem e a hora são um só

Quando Deus faz e a história é feita.

Aqui, é Deus o motor imóvel e o homem é aquele que, sendo movido, faz mover; é o construtor de pontes, restaurou a sua condição primordial de pontifex.
Em qualquer um destes adágios é patente a ideia de que a acção humana desligada do divino é "nada"; não há um convite à inacção, mas apenas a ideia de que aquilo que o homem tem, pouco ou muito, se for acompanhado do divino, é "tudo". Se é verdade que Deus escreve certo por linhas que ao homem parecem tortas, então aceitando a aparente sinuosidade com que se tece cada um dos nossos destinos, poderemos entrever a grandiosidade de um destino maior que se cumpre livremente para glória do mais alto. Assim possamos dizer: Fia-te na Virgem e corre…

Sem comentários: