sábado, 5 de janeiro de 2008

AFORISMOS SOBRE PORTUGAL (1)

Eduardo Aroso

1. Inês de Castro só depois de morta reinou para sempre. E Portugal? Degolado pela inveja (última palavra de Os Lusíadas) no seu verdadeiro amor, não será também pátria, mito e arquétipo, só depois da fatalidade, ocorrida ou ainda a verificar-se? Ergamos-lhe o território sem delimitações de alma; o trono assente no coração do povo; na representação dos hemiciclos, ou ciclos da verdade, em discussão universal.

2. A saudade é o milagre do concreto. Lembrar-se é ser arrastado para a verdade de algo que já foi, ou de um dia longínquo ainda, e que se sabe ser também certo.

3. “Portugal”. É com aspas que se tem lavrado o nome, no sagrado solo do decorrer do tempo. Retiremos as aspas com que se tem escrito Portugal. Elas não vêm de cima, do céu, mas dos térreos baixios, como as ervas daninhas e musgosas que sobem pelas paredes dos espaços abandonados onde não habita viva alma.

4. A ciência - a materialista, entenda-se - é uma mística iludida. A moderna obsessão dos nossos governantes pelas estatísticas é uma espécie de remorso pela falta de virtudes.

5. O conjunto de todos aqueles que pensam a pátria é, sem necessidade de demonstrações históricas, o Portugal virtual ou aquele que ronda o arquétipo. Por isto se deduz, pela via contrária, que na sociedade actual possa haver o Portugal efémero.

6. Não sei se a memória distante é a mais nítida. É, porém, a mais duradoura.

7. Em Lusofilias, de Paulo Ferreira da Cunha (obra que já tardava), o autor, citando Pedro Moura e Sá, escreve: «... A nossa situação actual no mundo nos permite falar de Europa, porque não contribuímos em nada para a destruir. Por erros tremendos ou em virtude de circunstâncias trágicas, quase todas as nações do nosso continente se viram envolvidas na luta e na destruição. Portugal não tem remorsos perante a Europa, porque nada fez contra ela».
Também o Brasil nunca se incomodou muito com guerras.

1 comentário:

Paulo Borges disse...

Saudade: "milagre do concreto" ou sentimento da evanescência da aparência substancial do mundo e dos acontecimentos-seres que o povoam ? Sentimento-saúde do que pré-existe, nem ser, nem mundo, nem coisa alguma, a tudo o que in-ex-siste... Não será a partir daqui que isso a que se chama Portugal urge sem compreendido ? Não um "medo de existir", mas a evidência, sem jamais se haver pensado nisso, de que existir não é preciso...